IRONMAN DE BARCELONA
Relatos dos amigos H. Lomba, Pedro Quaresma e meu próprio.
Objetivo - Ironman de Barcelona 2012
Objetivo - Ironman de Barcelona 2012
Qualquer atleta sabe que, pior do que correr mal uma determinada prova, é ter a expectativa de cumpri-la e nas vésperas, lesionar-se com gravidade e nem sequer poder competir. Se isto é uma contrariedade difícil de digerir numa prova qualquer de atletismo, por exemplo, imaginem então num IM.
Imaginem um hotel "carregadinho" de inscritos no Ironman de Barcelona. O hall, o refeitório, os corredores, estão pejados de bikes de contrarrelógio, os estendais cheios de fatos de neopreno de quem já foi testar o percurso de nado, os atletas são todos fits, todos cheios de indumentárias que atestam a sua presença em vários outros eventos similares em outras partes do globo, enfim, o hotel, os demais hotéis, a vila de Calella, respira saúde.
Não há curiosos, ninguém foi ali pagar uma aposta, não há experiências a fazerem-se, aqui todos sabem ao que vêm, e vêm para competir, para levarem o esforço pessoal ao limite, vêm... sofrer.
Têm horas, meses de treino acumulado, ambições e pensamentos secretos, sonhos para concretizar, seja terminar, seja o pódio, seja o tempo final, e faltam poucas horas para tudo decidir-se. Os meses que eu sonhei estar junto dos melhores e junto daquilo que considero ser o melhor ambiente desportivo de todos. Um ambiente em que todos são alegres e cordatos, mas não deixam de "espreitar" para os equipamentos, as indumentárias, para perceber que entidades representam, e eu a pensar secretamente "`tás convencido que por representares uma tropa especial qualquer, que amanhã chegas à frente do Millennium bcp, ainda és capaz de no fim ficares surpreendido...".
Imaginava reviver aquela prova em que já tinha estado e concluído no Top 10 do meu escalão, e imaginar que queria melhorar, que podia melhorar o meu tempo final independentemente da classificação. Era esse o meu objetivo. Apesar dos constrangimentos normais, profissionais e familiares, que não permitem a execução de um plano de treinos como os demais participantes de um IM, o que é certo é que todo o resto de tempo disponível foi utilizado para esse objetivo.
E dia após dia, semana após semana, o tempo ia-se escoando, mas em simultâneo, vamos fazendo uma antevisão da prova e sabemos que já temos um apuro de forma que permite saber que salvo algum imponderável, já estamos em condições de concluir a prova. A questão agora é saber em quantas horas. Se já temos a forma e o apuro mental, para nos abalançarmos para um tempo idealizado por nós e vamos arriscar, ou pura e simplesmente não arriscamos e vamos fazendo.
O dia da lesão... No fim de semana em que:
. comprei Magnesona, para tomar nos dias que antecedem a prova para prevenir cãibras e quando mudamos o regime alimentar;
. comprei anti-oxidantes e Fast-Recovery, para o "último assalto aos treinos";
. no dia em que cortei o cabelo muito curto já a pensar na prova;
. no dia em que até comprei "pasteizinhos" de bacalhau (sim, é controverso comer um frito numa prova de resistência, mas fico tao farto de comer barras e géis energéticos, coca-cola e isotónicos, que sim, ia pecar e levar uns "pasteizinhos" de bacalhau com muito sal, para comer na maratona, pois tenho a certeza que ia cortar o enjoo dos açucares e iam dar-me "nova alma", para correr sem estar enjoado).
Nesse mesmo dia, o meu Filho mais novo iria cair da cadeirinha de refeição, e torci o corpo para o amparar e senti o joelho (ligamentos) a rasgar. Lesão antiga, joelho já operado duas vezes por causa do futebol, aos 20 anos - possivelmente, se fosse o outro joelho, não rasgaria, mas aquele... rasgou, nada a fazer.
A correr, coloca-se gelo, mas as dores aumentam durante a noite; pela manhã, já estou a coxear e sim, mentalmente já sabia o desfecho: "Cheque mate a este joelho" - Não vou conseguir participar na prova.
Que angústia, que desilusão, que desalento tão grande. Momentos houve em que só apetecia chorar, mas enfim, para fazer jus ao nome da prova, entendi que era preferível não o fazer. Mas que dor... que raiva, que frustração, logo este IM, que por motivos pessoais era tão importante para mim, ir, concluir e com melhor tempo, porque com melhor bike, com mais experiência, mesmo limitado nos meus tempos totais de treino, surpreender pela positiva os meus companheiros de Clube e a mim próprio.
Ressonância magnética e consulta de urgência, e como já não estava a coxear, embora parando uma série de dias que não era permitido parar, ouso perguntar ao médico: "Sr. Dr., acha que dá para fazer uma prova de triatlo?". A resposta já sabia de antemão: "Acho que dá para operar, para tentarmos reconstituir estas lesões antigas graves e esta recente também grave, e não para correr 42 km".
Ironia do destino, no dia que os meus companheiros estão a fazer a viagem para Barcelona, estou eu no hospital a fazer a viagem para o bloco operatório. Como todas estas operações são muito modernas, 24 horas depois já estou em casa com um saco de comprimidos, umas muletas e ligaduras no joelho. Não consigo dormir. Quer pelas dores, quer por não estar em casa, mas sim mentalmente em Calella. Sei que aquela hora estão a levantar-se, a tomar o pequeno-almoço, sem fome nenhuma, mas sabendo que têm que comer e muito. Sei que estão com um stress acumulado enorme, e a adrenalina a subir...
Tempos modernos, hoje em dia. Consegue-se através de links, visualizar o local da prova e acompanhar resumos da prova. E saio da cama, pego nas muletas e lá fui arrastar-me, deitando-me ao lado de um portátil, para conseguir acompanhar tudo. Maravilha, estas "modernices", às vezes, dão mesmo jeito, pensei eu. Percebe-se que não corre vento (ótimo para a bike), o mar está lisinho (maravilha para o nado), temperatura amena (perfeito para a maratona), ou seja, reunidas as condições para ter ido fazer um bom tempo, quando há dois anos, no mesmo dia, estavam todas aquelas praias cheias de veraneantes, enfim.
Sigo a prova e percebo que a natação correu dentro do habitual para as nossas cores, mas na bike melhoraram ambos; restava a corrida, onde muito se decide, e verifico que o Feijão está em 4.º lugar (mesmo tendo sofrido uma penalização de 8 minutos na bike), mas a menos de um minuto e meio do terceiro. Tento ligar para o Américo que está a dar a assistência e acompanhar a prova, para ele alertar e motivar/incentivar o Feijão, mas não me atende nunca o telemóvel. Está de certeza em cima desse facto e nem atende o telemóvel, porque está mesmo a puxar pelo FF, pensei eu. E assim era de facto, e, mais uma vez, o Fernando alcança o pódio, parecendo ter lá sempre "um lugar reservado!".
Mais uma vez, os tempos do Pedro Quaresma eram todos muito certinhos, sem quebras, e dão logo a certeza que ia concluir e bastante abaixo do tempo de estreia, ou seja, se na estreia ficou no último terço, na segunda já fica no primeiro terço da tabela. E só conseguiríamos dar o devido valor, se percebêssemos o tipo de concorrentes na prova, onde bancários não surgem, mas sim outras atividades profissionais ligadas a atividades físicas. Terminam um perto do outro, exaustos tenho a certeza, mas enormes na satisfação, e eu cá deste lado, cansado de sofrer de longe, a sofrer de outra maneira.
Bons tempos os realizados por eles, e se... eu tivesse ido, e se... tivesse feito um bom tempo, é curioso que por equipas iríamos ter uma classificação muito interessante, mais ainda atendendo ser uma equipa de Cavalheiros que sentam-se numa secretária o dia todo com a devida exigência intelectual e de tempo despendido, com acrescidas responsabilidades familiares e não andando a dar instrução a outros militares correndo e treinando.
No final da prova, as dores no joelho colocam-me na realidade... outra vez. E a realidade é:
. perdi uma prova, importante;
. toda a preparação vai-se embora, desperdiçada, desbaratada em poucas semanas;
. a capacidade cardiovascular, o tónus muscular, o índice de imc;
. a capacidade anímica pela insegurança do êxito da intervenção ao joelho;
. antecipo os dias que irão surgir daqui a meses, onde qualquer esforço vai custar-me horrores, onde os percursos de 30 minutos de repente passam a 40 e a custar mais.
Em resumo, vai ser difícil, mas a Vida é mesmo assim e nem vale a pena lamentar, é como um jogo de Monopólio, quando menos esperamos ou queremos, caímos na casa - ficas duas jogadas sem jogar - e nem temos que lamentar nem desistir, porque estas são as "regras do jogo", do desporto e da vida em geral.
Parafraseando algo ou alguém: "Não importa as vezes que caímos, importa é o número de vezes que nos levantamos". Contem comigo.
Humberto Lomba
Contrariamente ao sucedido há 2 anos atrás, saímos de Portugal bastante cedo! Cheguei a casa do Quaresma pelas 07h00 da manhã como estava combinado. O Américo foi traído pelo GPS e chegou um pouco depois, mas deu para iniciarmos a viajem de Lisboa pelas 07h30 da manhã.
Tínhamos também combinado (por minha sugestão!) que levássemos comida para perder o menos tempo possível nas paragens. Assim fizemos: fomos comendo e andando... e chegámos a Calella pelas 21h00, mesmo em cima da hora de jantar. Como tínhamos marcado o hotel com meia pensão, aproveitámos para jantar ali mesmo. Nem concluímos o check-in.
A viagem foi feita debaixo de chuva e quando chegámos ao local, Calella, chovia bastante e o vento era forte. Aliás, já tínhamos notado fortes rajadas de vento durante a viagem, principalmente a partir de Madrid.
Depois de jantar ainda saímos do hotel, numa tentativa de levantar os dorsais, mas o secretariado já se encontrava fechado. Também as "tiendas" da feira e a pasta party, tal como as lojas da feira e muitas grades que estavam montadas para a prova, encontravam-se no chão devido à força do vento. Regressámos ao hotel porque era pouco agradável passear naquelas condições.
Aquando do levantamento do material, foi-nos dito que as bicicletas seriam entregues no dia seguinte, domingo, e não, como estava inicialmente programado, a partir das 16h30, devido às condições meteorológicas. Ou seja: domingo, a partir das 06h30.
Regressámos de imediato ao hotel, porque cada vez chovia mais, até parecia que o céu nos estava a cair em cima! Ouvimos depois nas notícias que mesmo ali ao lado, na região de Valência, as inundações já tinham provocado vários mortos. Ficámos no hotel o resto do dia e aí comemos. Aproveitámos para descansar, jogar dominó ou mesmo dormir... Dormir? Sim, mas pouco! Porque o stress começava a apoderar-se do nosso pensamento. Não bastava o desafio do Ironman, senão ainda naquelas condições! O tempo passava e a chuva continuava...
Comi pouco ao jantar, porque tinha almoçado bem e tinha estado praticamente parado todo o dia. Deitei-me cedo, mas não conseguia dormir, porque a principal preocupação, que nem era a prova, continuava pendente... Era o tempo e ainda chovia!
Tínhamos marcado o pequeno-almoço para as 06h00. Lá nos encontrámos, apenas a minha mulher ficou na cama até mais tarde, porque sentiu-se indisposta no sábado.
Após o pequeno-almoço, pegámos na carrinha e fomos então, nas calmas, fazer o check-in. Por acaso levava o BI, mas o Quaresma não... Quando entrámos, notámos alguma confusão anormal, mas pedimos o nosso chip, porque não tínhamos... Disseram-nos que o mesmo tinha sido entregue na véspera no briefing e que podíamos participar, mas estávamos desclassificados... Não queríamos acreditar! Contestámos e tentámos explicar as nossas razões. Ninguém nos queria ouvir... Pediram o BI e eu disse que tinha... O Quaresma virou direito ao hotel e foi buscar o dele, porque já eram quase 07h00 e restava pouco tempo para esta tarefa. Deram-me o chip e tentei justificar ao responsável que se encontrava no local, mas fui impedido... Também não me ouviu e ainda deu alguns recados. Fui colocar o chip e o material nos locais próprios, ainda com uma enorme calma aparente, porque estava capaz de explodir e cada vez mais apreensivo perante tudo o que se tinha passado e continuava a passar! Depois fui ter com a menina que me deu o chip, sem qualquer ressentimento, e perguntei-lhe se afinal estava em prova ou desclassificado... Ela disse-me apenas que de momento não estava desclassificado.
Entretanto chegou o Quaresma e disse-lhe o que se tinha passado. Ficámos os dois mais calmos e apenas focados na prova e no tempo que apesar das claras melhorias ainda estava inseguro. O céu apresentava-se bastante nublado, temperatura amena, sem vento e o mar calmo. Parecia inacreditável face ao dia anterior, nada fazia antever tal mudança, mas as previsões estavam certas... melhoria significativa das condições MT, vento fraco e ausência de chuva.
A prova estava prestes a iniciar-se e o meu coração cada vez batia mais rápido (como é possível depois de tantos anos de competição?). Sabia que estava bem, tinha treinado menos tempo que há 2 anos, mas mais corrida e de forma mais eficaz. Estava confiante e não sentia qualquer mazela, portanto algo de bom podia acontecer... Pedi ao Afonso e ao Américo para controlarem os atletas do meu escalão, que eram os que tinham os dorsais entre os números 488 e 519, e para me irem informando.
Posiciono-me bem para a partida (nos lugares da frente!). É dado o tiro de partida e pronto, entro noutra vida! Não ouço mais nada, não vejo mais nada, só me interessa a prova e a chegada à meta... Durante a natação, ainda me apercebi de alguma ondulação que dificultava a progressão, mas rapidamente acabou este segmento (rápido face ao todo da prova). A natação teve pouca história.
Quando chego a terra e me levanto, vejo de imediato o tempo e verifico 01h16, pensei: Podia ser melhor, pois é igual a 2010, mas serve... Não compromete e é motivador! Pensei ainda no Quaresma que já devia estar há mais de 15 minutos na bicicleta! Mas... Vamos embora que se faz tarde!
Faço uma transição rápida e entro para a bicicleta "fortíssimo". Coloco-me em cima dos extensores, logo após a saída da zona sinuosa e de lombas, que faz parte do início e do fim do percurso de ciclismo, e toca a pedalar... 38/40... era um espetáculo... Vejo o 1.º abastecimento e deito logo o meu bidon fora. Já tinha bebido parte da proteína que levei comigo, para pegar num outro bidon... Azar! não consigo agarrar o bidon e fico quase sem líquidos. Por outro lado, a organização este ano resolveu só fornecer géis (ou não arranjou barras energéticas?). Para complicar mais a situação, só levava 1 barrita das fracas (do hiper!). Pensei logo: Estou tramado! Tenho que me alimentar a gel nas próximas 10/11 horas! Lá continuo a pedalar forte, porque me sentia bem e não queria pensar muito nos problemas, mas sem queimar os músculos!
Um pouco antes do 1.º retorno avisto o Quaresma. Trocámos olhares e cumprimentos e mais motivado fiquei! Pensei logo: Bem! Daqui por uns quilómetros tenho companhia! Mas... ou ele nadou mal ou eu estou a andar muito... O melhor é resfriar os ânimos e acalmar! O pensamento não pára nestas situações! E o tempo vai passando... Mais um bocado e ainda um pouco antes do final da 1.ª volta encosto ao Quaresma. Já estava nas nuvens! Sentia-me bem, já tinha recuperado a diferença da natação, portanto só havia que continuar, porque estava tudo a correr pelo melhor! Falámos se estava tudo bem... "Sim, sim.", respondemos um ao outro e lá continuámos a nossa tarefa... Claro, que cada um tinha a sua!
Entrámos na zona de subidas e descidas e qual surpresa minha! Após ser ultrapassado por um outro atleta numa dessas subidas, porque não "parei logo", ia a uns 6/7 metros quando uma juíza me mostra a "tarjeta amarilla". Fiquei de rastos... Perguntei: "É para mim? Porquê? Isso é injusto!". Mas de nada valeu. Perguntei então: "O que é que implica?". Ela respondeu: "Tem de ir à Penalty Box durante 8 minutos". "8 minutos?", perguntei. Claro, estava farto de saber... Ou ia ao "castigo" ou seria desclassificado. Naquele momento apeteceu-me ficar logo por ali. Abrandei, respirei fundo e lá continuei, sem ritmo e sem motivação... Entretanto passa o Quaresma por mim e pergunta: "Fernando, estás bem?", "Está tudo bem?". Ao que eu respondo: "É pá, não... já me chatearam a cabeça.". Lá continuei, porque não estava só por minha conta, mas já sem grande vontade. Onde tinha passado na 1.ª volta a 38/40 km/h, passava agora a 30/32. Deixava passar toda a gente e só pensava: Os gajos querem-nos desclassificar e não nos disseram à entrada. Não posso dar motivos para isso. Estou a representar o Banco!
Lá dei a volta e quando cheguei à "caixa" lá parei os 8 minutos. Tentei aproveitar para as "necessidades fisiológicas líquidas" mas não me deixaram - "Penalty é penalty!", diziam-me. Entretanto passaram os 8 minutos, lá saí e fiz as minhas necessidades... Faltavam ainda uns 40 quilómetros para acabar e então animei de novo e até ao final do segmento de ciclismo andei bem.
Novamente uma boa transição. Mudei de equipamento (calção e camisola de atletismo) porque o fato "não presta para este tipo de provas". Saio para a corrida e sinto-me como se nada tivesse feito... Soltinho, passada curta e rápida... Estava como peixe dentro de água!
Vem um jovem com um ritmo idêntico ao meu e junto-me a ele! Metemos conversa. Ele perguntou-me de onde eu era... Quando lhe disse que era português, respondeu-me de imediato: "Yo soi Galego!". "Mui bien... asi nosotros nos entendimos", disse-lhe eu. Porque apesar do galego ter estado proibido durante 5 séculos e o português ter seguido o seu caminho, ainda mantêm muitos pontos de contacto. Perfeito... estamos em casa! Lá vamos a um ritmo bastante vivo, para uma maratona de ironman. Verifico que tem um GPS da Garmin e pergunto-lhe a quanto vamos ao quilómetro. "4,13", diz-me. Fiquei espantado, pois pensava que íamos perto dos 5m/k. Disse-lhe: "Eu vou mais devagar porque ainda falta muito e depois não aguento.". Só que ele não se afastava! Ia com uma respiração sofrida, passada larga, mas parecia-me que estava a quebrar... Andei um bocado atrás dele e depois coloquei-me ao seu lado e disse-lhe: "Olha! Vou contigo porque com companhia é mais fácil (como se estivesse sozinho naquele mar de gente...).
O primeiro retorno aproximou-se rapidamente. Um bocado antes do retorno, controlo o dorsal 419 e um outro também do meu escalão, que foi o que acabaria por ficar em 4.º lugar. Cruzei-me ainda com o Pedro Quaresma, que pelos meus cálculos partira uns 10 minutos antes, e se assim foi, estava a perder terreno. Trocámos algumas palavras e continuámos a nossa tarefa. Ainda tínhamos muito que palmilhar... Até ao retorno não vi mais ninguém do meu escalão e pensei. Bem! Isto não está muito mau, devo estar em 3.º e com este andamento acabo com menos de 11 horas! É muito tempo em prova, o que dá para pensamos em tudo!
O amigo galego continuava em esforço (aparente!), e parecia-me que o ritmo dele já não ía certo... Tanto se afastava de mim como ficava para trás. Resolvi impor a minha passada e só pensava em 5 minutos ao quilómetro. Era a passada que pretendia imprimir... Aproxima-se o final da primeira volta e passo pelo Quaresma que me incentiva... "Vai que estás no teu terreno!". Concluí a primeira volta com cerca de 45 minutos. Ia bem, mas começava a ficar preocupado porque ainda faltavam 3 e sabia o quanto havia sofrido em 2010 só nos últimos 5 quilómetros. Passo pelo meu filho que me diz: "Vai Pai!! Grande prova!!!". Pelo Américo, que não se contém e grita a soluçar: "Força Feijão!! Força Feij...!!!". Parece que é nestes momentos que a nossa alma já um pouco moribunda renasce... E lá vou eu para a 2.ª volta.
Sempre que me cruzava com os "velhos" tentava ver o número do dorsal e se os mesmos eram do meu escalão. Mas cada vez se tornava mais difícil porque não sabia se iam na mesma volta. Apenas tinha aqueles 2 referenciados. Novamente me cruzei com eles, mas não era muito evidente a minha recuperação. Também ainda era cedo e o homem da marreta costuma aparecer mais tarde e se calhar até bate é à minha porta!!! Terceira volta e o cansaço começa a chegar, mas o ritmo ainda é bom, contudo, tento sempre reduzir o andamento porque parece-me sempre que ainda falta muito. Penso no entanto que da próxima vez que passar por aqueles locais, já vou para a meta. Também a terceira volta é feita sem sobressaltos, apenas os pés estavam muito doridos e sentia que se estavam a formar bolhas. Última volta! Eu tinha dito ao Américo para segurar o homem da marreta, se por acaso o visse! E deve ter sido o que fez... Porque continuava a sentir-me bem, rolar certinho. Por vezes colocava-me atrás de indivíduos que me parecia que iam mais devagar, para acalmar o ritmo e o tempo ia passando e os quilómetros também. Logo nos 1.ºs quilómetros da última volta, reparo num veterano que me parecia do meu escalão, olhei descaradamente para o seu dorsal (a dizer... estou aqui!!!), e era mesmo o indivíduo que estava à minha frente e me respondeu: "A mirar el dorsal!!! Estoi finito!!!". Eu ri-me e lá continuei sem mais olhar para trás, mas sempre a pensar: Se eu empeno o tipo passa por mim!!! O outro, o suíço que ganhou em 2011, nunca mais o consegui ver e o que ganhou a prova não o controlei durante toda a prova. Só pensava que já estava no papo. Os quilómetros passavam depressa, baixar as 11h00 já era uma certeza, mesmo que ainda viesse a empenar. O Quaresma também estava bem, porque nos havíamos cruzado e ele disse-me: Vai lá que eu já vou ter contigo.
Em resumo: pensava que era mais uma jornada perfeita! Apenas havia uma contrariedade que tentava esquecer... A vontade de vomitar, de tanto gel e água ter ingerido. A falta de alimentos sólidos e o esforço dificultaram-me um pouco a tarefa, mas posso dizer que acabei em grande e os adversários que me ganharam estiveram melhor do que eu e merecem os parabéns... São tal como eu vencedores do Ironman de Barcelona... Ou seja: O pódio foi constituído pelos 3 vencedores das últimas 3 edições da prova.
Fernando Feijão
Quando há dois anos realizei o meu primeiro "Ironman", tinha como principal objetivo terminar a prova. Atingido esse objetivo e apesar da enorme satisfação por ter superado um desafio e realizado um "sonho", senti que podia e queria fazer melhor. Era preciso encontrar uma nova oportunidade para repetir e tentar melhorar.
No início deste ano, a ideia começou a ganhar forma e depois de realizar o half ironman de Lisboa, em maio, percebi que estava em condições físicas e com motivação para preparar de novo o "Ironman".
Os companheiros de 2010 (Lomba e Feijão) estavam também motivados e decidimos avançar para mais este desafio. Um dos desafios principais que se nos coloca é conseguir treinar diariamente durante dois dos meses mais quentes do ano (agosto e setembro), na maioria dos dias fazendo dois treinos/dia e isto partindo do princípio que a base da preparação já existe, porque vamos treinando ao longo do ano. De qualquer forma, nestes dois meses que antecedem a prova, é necessário treinar com regularidade e tentar realizar os treinos longos previstos no plano de treinos, para preparar o organismo para o dia da prova em que vamos estar em competição nunca menos de 10 horas e se tudo correr como planeámos. Para além disso, os treinos longos também permitem ensaiar os equipamentos que vamos usar, desde o calçado, ao vestuário e, em especial, a bicicleta que vai ser o "meio de transporte" utilizado durante mais tempo. Desta vez tinha a motivação adicional de ir estrear uma "máquina" nova e com um perfil adaptado às provas longas de triatlo. Mas por outro lado, preocupava-me o facto de ser capaz de me habituar em tempo útil à bicicleta nova e efetivamente vir a tirar partido das qualidades de uma bicicleta de triatlo, devido ao facto de "obrigar a pedalarmos numa posição "fechada", tipo contrarrelógio.
Ao longo de agosto, os treinos foram decorrendo conforme previsto e a forma ia surgindo naturalmente. Pelo meio, conseguimos treinar com outros amigos, que apesar de não estarem envolvidos diretamente no projeto acabam por ser um apoio precioso para tantas horas de treino. Quando entrámos em setembro, temos uma baixa inesperada - o Lomba lesiona-se com gravidade e a participação dele fica logo irremediavelmente comprometida. Apesar do "Ironman" ser uma prova individual, o fato de prepararmos em conjunto a prova ajuda a manter bons níveis de motivação e nos momentos em que o cansaço dos treinos se manifesta, é mais fácil recuperar porque sabemos que algures estão outros amigos a treinar e a prepararem a prova. Este compromisso que se estabelece naturalmente e sem necessidade de contratos escritos num grupo de pessoas que partilham um objetivo, é um suporte moral muito forte. Por isso, quando algo corre mal com alguém do grupo, acaba por afetar o grupo. Mas é preciso continuar a preparação, agora mais do que nunca, não podemos deixar ficar mal quem já não nos pode acompanhar. E foi com esse novo "compromisso" que fiz a parte final da preparação da prova.
Quando a data da prova se aproxima, surgem novas "questões", nomeadamente a preocupação com o tempo que vai fazer no dia da prova, tendo em conta que vamos nadar 3800 metros no mar, que depois temos 180 km de bicicleta numa estrada à beira-mar e deixando de lado os 42 km finais da corrida. Logo que conseguimos ver as primeiras previsões para a data da prova ficámos animados. Nem chuva, nem calor, vento fraco e boas condições no mar.
Viajámos para Espanha dois dias antes da prova, viagem efetuada debaixo de chuva. Chegados ao destino, o cenário piorava. Além da chuva, o vento era fortíssimo. Na Andaluzia e em Valência, as chuvas torrenciais já tinham feito vítimas mortais. Na véspera da prova, a organização teve de improvisar a entrega do material para a prova (dorsais e chips) em locais diferentes dos previstos e nós permanecemos no hotel à espera que o temporal passasse. De 5 em 5 minutos consultávamos os sites de meteorologia e todos apontavam para que no dia seguinte não iria chover, não ia estar vento e a temperatura estaria por volta dos 20ºc. Custava a acreditar com o cenário que tínhamos à nossa frente e na verdade estávamos bastante preocupados com estas condições atmosféricas. Aspeto positivo deste dia, foi o facto de termos sido "obrigados" a descansar enquanto esperávamos que chegasse a hora da prova.
No dia da prova, alvorada às 5 da manhã para os preparativos, nomeadamente o pequeno-almoço reforçado que temos de tomar com a devida antecedência. E para nosso espanto e grande alívio, não chovia nem corria uma aragem. Os deuses estavam do nosso lado!
Início da prova às 08h30, com a partida para a natação dos atletas profissionais. As partidas seguintes, agrupadas por escalões, iriam decorrer de dois em dois minutos. Cada grupo que largava podia ter mais de 200 atletas, que foi o que aconteceu com o grupo onde eu e o Feijão partimos, onde se juntavam os atletas dos escalões "mais experientes" (vulgo mais velhos). O grupo era bastante grande, o que nos ajudou bastante porque nadámos sempre com outros atletas por perto o que acaba por facilitar a "orientação" dentro da água. É preciso lembrar que vamos realizar um percurso de ida e volta, tipo retângulo, paralelamente à praia e em que nos afastamos da partida cerca de 2 km para depois retornarmos até à meta que está colocada junto à partida. Ou seja, quando partimos para a água, não conseguimos ver onde vamos dar a volta para depois regressar. O mar estava relativamente calmo e a temperatura da água era cerca de 24ºc. Este segmento é encarado com calma pois ainda falta muita prova, mas ainda assim consigo alcançar muitos nadadores que tinham partido nos grupos anteriores, o que dá sempre um ânimo acrescido. De qualquer forma, na parte final do percurso, ainda sou apanhado por alguns nadadores mais rápidos do grupo que saiu depois.
Efetuado o segmento da natação em cerca de 01h06 (19.º do escalão), troca de roupa para ir pedalar 180 km. Quando troco de roupa, percebo que chegaram poucos "adversários" do meu escalão. Ânimo reforçado e arranco para a bike. O segmento de bicicleta é realizado sempre à beira-mar numa estrada em tudo idêntica a marginal Lisboa-Cascais, estando o trânsito cortado numa extensão de cerca 35 km. O percurso são cerca de 2,5 voltas neste trajeto, praticamente plano em toda a extensão. Quase no final da primeira volta, cerca de 70 km, sou apanhado pelo Feijão que tinha demorado um pouco mais na natação, mas que estava agora mais à vontade em cima da bicicleta. Ele segue o ritmo dele e eu o meu, cada um tem de fazer a sua prova. Os entusiasmos pagam-se caro lá mais para a frente... De qualquer forma estava satisfeito, pois percebia que estava a pedalar bem e a fazer uma prova muito melhor do que na participação anterior. Quando chego ao fim deste segmento, 05h25 depois de ter começado (69.º do escalão), estava muito motivado pois tinha conseguido baixar claramente das 6 horas que tinha como referência.
Nova troca de roupa antes de iniciar o último segmento: a maratona! Há quem diga que a prova a sério começa aqui... Na verdade, quando chego aqui sinto que estou em "casa" e apesar das dificuldades por que passo nas 4 horas seguintes, os meus níveis de confiança são cada vez mais altos. Agora já só depende de mim, aqui não há furos nem avarias mecânicas. Somos nós e o nosso corpo. Mais do que nunca é preciso garantir que nos alimentamos e hidratamos ao longo dos 42 km. Qualquer distração pode comprometer o final da prova e no entretanto temos de gerir o cansaço acumulado e tentar não deixar cair demasiado o ritmo. Pelo meio, vamos animando outros companheiros que estão em prova, pois além de mim e do Feijão estavam mais sete portugueses em prova. O apoio que também recebemos de outros atletas em prova, do público e dos nossos amigos que nos acompanharam neste desafio (Américo, Afonso e Palmira – muito obrigado!) também faz parte do segredo do sucesso!
Ao terminar a corrida em 03h59 (40.º do escalão) e 10h37 depois de ter iniciado a prova, terminava pela 2.ª vez um “Ironman” e ficava em 40.º do meu escalão, tendo melhorado 45 minutos face à primeira participação. Estes pequenos grandes momentos que acontecem ao passar a meta deixam uma sensação de felicidade e de "dever cumprido" muito fortes. Apenas ultrapassados pela vontade que surge quase de seguida de fazer mais e melhor... De facto, a natureza humana e o espírito do desporto no geral, e do triatlo em particular, é de querer fazer sempre melhor e eu não sou exceção. Se no final do dia da prova é o dia do entusiasmo da euforia, por ter concluído, por ter melhorado... minutos na prova, no dia seguinte já estamos a gizar novos planos, revemos aspetos na alimentação em prova, na logística em prova, nos treinos para a competição e uma certeza dentro de mim dizia-me, tal como num filme muito conhecido: "I`ll be back".
Se somos nós que fazemos a prova, na verdade não seríamos capazes de a fazer se estivéssemos sozinhos neste desafio. Por isso é fundamental agradecer aos “suspeitos do costume:
. aos amigos e colegas que nos acompanham ao longo das semanas de preparação;
. à família que se "adapta" aos horários e algumas ausências prolongadas para treinar;
. ao Clube Millennium bcp, que com o seu apoio nos permitiu realizar o sonho;
. ao amigo Feijão com quem tive o prazer de realizar mais uma vez este desafio e que mais uma vez me apoiou com a sua experiência e conhecimentos neste projeto;
. e por último, e sendo o primeiro, a quem dedico o meu "Ironman", o meu amigo Lomba. Ele que é o mais "Ironman" de todos os que conheço e que no fundo me desafiou para fazer a prova.
Pedro Quaresma
Objetivo - Ironman de Barcelona 2012
Qualquer atleta sabe que, pior do que correr mal uma determinada prova, é ter a expectativa de cumpri-la e nas vésperas, lesionar-se com gravidade e nem sequer poder competir. Se isto é uma contrariedade difícil de digerir numa prova qualquer de atletismo, por exemplo, imaginem então num IM.
Imaginem um hotel "carregadinho" de inscritos no Ironman de Barcelona. O hall, o refeitório, os corredores, estão pejados de bikes de contrarrelógio, os estendais cheios de fatos de neopreno de quem já foi testar o percurso de nado, os atletas são todos fits, todos cheios de indumentárias que atestam a sua presença em vários outros eventos similares em outras partes do globo, enfim, o hotel, os demais hotéis, a vila de Calella, respira saúde.
Não há curiosos, ninguém foi ali pagar uma aposta, não há experiências a fazerem-se, aqui todos sabem ao que vêm, e vêm para competir, para levarem o esforço pessoal ao limite, vêm... sofrer.
Têm horas, meses de treino acumulado, ambições e pensamentos secretos, sonhos para concretizar, seja terminar, seja o pódio, seja o tempo final, e faltam poucas horas para tudo decidir-se. Os meses que eu sonhei estar junto dos melhores e junto daquilo que considero ser o melhor ambiente desportivo de todos. Um ambiente em que todos são alegres e cordatos, mas não deixam de "espreitar" para os equipamentos, as indumentárias, para perceber que entidades representam, e eu a pensar secretamente "`tás convencido que por representares uma tropa especial qualquer, que amanhã chegas à frente do Millennium bcp, ainda és capaz de no fim ficares surpreendido...".
Imaginava reviver aquela prova em que já tinha estado e concluído no Top 10 do meu escalão, e imaginar que queria melhorar, que podia melhorar o meu tempo final independentemente da classificação. Era esse o meu objetivo. Apesar dos constrangimentos normais, profissionais e familiares, que não permitem a execução de um plano de treinos como os demais participantes de um IM, o que é certo é que todo o resto de tempo disponível foi utilizado para esse objetivo.
E dia após dia, semana após semana, o tempo ia-se escoando, mas em simultâneo, vamos fazendo uma antevisão da prova e sabemos que já temos um apuro de forma que permite saber que salvo algum imponderável, já estamos em condições de concluir a prova. A questão agora é saber em quantas horas. Se já temos a forma e o apuro mental, para nos abalançarmos para um tempo idealizado por nós e vamos arriscar, ou pura e simplesmente não arriscamos e vamos fazendo.
O dia da lesão... No fim de semana em que:
. comprei Magnesona, para tomar nos dias que antecedem a prova para prevenir cãibras e quando mudamos o regime alimentar;
. comprei anti-oxidantes e Fast-Recovery, para o "último assalto aos treinos";
. no dia em que cortei o cabelo muito curto já a pensar na prova;
. no dia em que até comprei "pasteizinhos" de bacalhau (sim, é controverso comer um frito numa prova de resistência, mas fico tao farto de comer barras e géis energéticos, coca-cola e isotónicos, que sim, ia pecar e levar uns "pasteizinhos" de bacalhau com muito sal, para comer na maratona, pois tenho a certeza que ia cortar o enjoo dos açucares e iam dar-me "nova alma", para correr sem estar enjoado).
Nesse mesmo dia, o meu Filho mais novo iria cair da cadeirinha de refeição, e torci o corpo para o amparar e senti o joelho (ligamentos) a rasgar. Lesão antiga, joelho já operado duas vezes por causa do futebol, aos 20 anos - possivelmente, se fosse o outro joelho, não rasgaria, mas aquele... rasgou, nada a fazer.
A correr, coloca-se gelo, mas as dores aumentam durante a noite; pela manhã, já estou a coxear e sim, mentalmente já sabia o desfecho: "Cheque mate a este joelho" - Não vou conseguir participar na prova.
Que angústia, que desilusão, que desalento tão grande. Momentos houve em que só apetecia chorar, mas enfim, para fazer jus ao nome da prova, entendi que era preferível não o fazer. Mas que dor... que raiva, que frustração, logo este IM, que por motivos pessoais era tão importante para mim, ir, concluir e com melhor tempo, porque com melhor bike, com mais experiência, mesmo limitado nos meus tempos totais de treino, surpreender pela positiva os meus companheiros de Clube e a mim próprio.
Ressonância magnética e consulta de urgência, e como já não estava a coxear, embora parando uma série de dias que não era permitido parar, ouso perguntar ao médico: "Sr. Dr., acha que dá para fazer uma prova de triatlo?". A resposta já sabia de antemão: "Acho que dá para operar, para tentarmos reconstituir estas lesões antigas graves e esta recente também grave, e não para correr 42 km".
Ironia do destino, no dia que os meus companheiros estão a fazer a viagem para Barcelona, estou eu no hospital a fazer a viagem para o bloco operatório. Como todas estas operações são muito modernas, 24 horas depois já estou em casa com um saco de comprimidos, umas muletas e ligaduras no joelho. Não consigo dormir. Quer pelas dores, quer por não estar em casa, mas sim mentalmente em Calella. Sei que aquela hora estão a levantar-se, a tomar o pequeno-almoço, sem fome nenhuma, mas sabendo que têm que comer e muito. Sei que estão com um stress acumulado enorme, e a adrenalina a subir...
Tempos modernos, hoje em dia. Consegue-se através de links, visualizar o local da prova e acompanhar resumos da prova. E saio da cama, pego nas muletas e lá fui arrastar-me, deitando-me ao lado de um portátil, para conseguir acompanhar tudo. Maravilha, estas "modernices", às vezes, dão mesmo jeito, pensei eu. Percebe-se que não corre vento (ótimo para a bike), o mar está lisinho (maravilha para o nado), temperatura amena (perfeito para a maratona), ou seja, reunidas as condições para ter ido fazer um bom tempo, quando há dois anos, no mesmo dia, estavam todas aquelas praias cheias de veraneantes, enfim.
Sigo a prova e percebo que a natação correu dentro do habitual para as nossas cores, mas na bike melhoraram ambos; restava a corrida, onde muito se decide, e verifico que o Feijão está em 4.º lugar (mesmo tendo sofrido uma penalização de 8 minutos na bike), mas a menos de um minuto e meio do terceiro. Tento ligar para o Américo que está a dar a assistência e acompanhar a prova, para ele alertar e motivar/incentivar o Feijão, mas não me atende nunca o telemóvel. Está de certeza em cima desse facto e nem atende o telemóvel, porque está mesmo a puxar pelo FF, pensei eu. E assim era de facto, e, mais uma vez, o Fernando alcança o pódio, parecendo ter lá sempre "um lugar reservado!".
Mais uma vez, os tempos do Pedro Quaresma eram todos muito certinhos, sem quebras, e dão logo a certeza que ia concluir e bastante abaixo do tempo de estreia, ou seja, se na estreia ficou no último terço, na segunda já fica no primeiro terço da tabela. E só conseguiríamos dar o devido valor, se percebêssemos o tipo de concorrentes na prova, onde bancários não surgem, mas sim outras atividades profissionais ligadas a atividades físicas. Terminam um perto do outro, exaustos tenho a certeza, mas enormes na satisfação, e eu cá deste lado, cansado de sofrer de longe, a sofrer de outra maneira.
Bons tempos os realizados por eles, e se... eu tivesse ido, e se... tivesse feito um bom tempo, é curioso que por equipas iríamos ter uma classificação muito interessante, mais ainda atendendo ser uma equipa de Cavalheiros que sentam-se numa secretária o dia todo com a devida exigência intelectual e de tempo despendido, com acrescidas responsabilidades familiares e não andando a dar instrução a outros militares correndo e treinando.
No final da prova, as dores no joelho colocam-me na realidade... outra vez. E a realidade é:
. perdi uma prova, importante;
. toda a preparação vai-se embora, desperdiçada, desbaratada em poucas semanas;
. a capacidade cardiovascular, o tónus muscular, o índice de imc;
. a capacidade anímica pela insegurança do êxito da intervenção ao joelho;
. antecipo os dias que irão surgir daqui a meses, onde qualquer esforço vai custar-me horrores, onde os percursos de 30 minutos de repente passam a 40 e a custar mais.
Em resumo, vai ser difícil, mas a Vida é mesmo assim e nem vale a pena lamentar, é como um jogo de Monopólio, quando menos esperamos ou queremos, caímos na casa - ficas duas jogadas sem jogar - e nem temos que lamentar nem desistir, porque estas são as "regras do jogo", do desporto e da vida em geral.
Parafraseando algo ou alguém: "Não importa as vezes que caímos, importa é o número de vezes que nos levantamos". Contem comigo.
Humberto Lomba
Contrariamente ao sucedido há 2 anos atrás, saímos de Portugal bastante cedo! Cheguei a casa do Quaresma pelas 07h00 da manhã como estava combinado. O Américo foi traído pelo GPS e chegou um pouco depois, mas deu para iniciarmos a viajem de Lisboa pelas 07h30 da manhã.
Tínhamos também combinado (por minha sugestão!) que levássemos comida para perder o menos tempo possível nas paragens. Assim fizemos: fomos comendo e andando... e chegámos a Calella pelas 21h00, mesmo em cima da hora de jantar. Como tínhamos marcado o hotel com meia pensão, aproveitámos para jantar ali mesmo. Nem concluímos o check-in.
A viagem foi feita debaixo de chuva e quando chegámos ao local, Calella, chovia bastante e o vento era forte. Aliás, já tínhamos notado fortes rajadas de vento durante a viagem, principalmente a partir de Madrid.
Depois de jantar ainda saímos do hotel, numa tentativa de levantar os dorsais, mas o secretariado já se encontrava fechado. Também as "tiendas" da feira e a pasta party, tal como as lojas da feira e muitas grades que estavam montadas para a prova, encontravam-se no chão devido à força do vento. Regressámos ao hotel porque era pouco agradável passear naquelas condições.
Aquando do levantamento do material, foi-nos dito que as bicicletas seriam entregues no dia seguinte, domingo, e não, como estava inicialmente programado, a partir das 16h30, devido às condições meteorológicas. Ou seja: domingo, a partir das 06h30.
Regressámos de imediato ao hotel, porque cada vez chovia mais, até parecia que o céu nos estava a cair em cima! Ouvimos depois nas notícias que mesmo ali ao lado, na região de Valência, as inundações já tinham provocado vários mortos. Ficámos no hotel o resto do dia e aí comemos. Aproveitámos para descansar, jogar dominó ou mesmo dormir... Dormir? Sim, mas pouco! Porque o stress começava a apoderar-se do nosso pensamento. Não bastava o desafio do Ironman, senão ainda naquelas condições! O tempo passava e a chuva continuava...
Comi pouco ao jantar, porque tinha almoçado bem e tinha estado praticamente parado todo o dia. Deitei-me cedo, mas não conseguia dormir, porque a principal preocupação, que nem era a prova, continuava pendente... Era o tempo e ainda chovia!
Tínhamos marcado o pequeno-almoço para as 06h00. Lá nos encontrámos, apenas a minha mulher ficou na cama até mais tarde, porque sentiu-se indisposta no sábado.
Após o pequeno-almoço, pegámos na carrinha e fomos então, nas calmas, fazer o check-in. Por acaso levava o BI, mas o Quaresma não... Quando entrámos, notámos alguma confusão anormal, mas pedimos o nosso chip, porque não tínhamos... Disseram-nos que o mesmo tinha sido entregue na véspera no briefing e que podíamos participar, mas estávamos desclassificados... Não queríamos acreditar! Contestámos e tentámos explicar as nossas razões. Ninguém nos queria ouvir... Pediram o BI e eu disse que tinha... O Quaresma virou direito ao hotel e foi buscar o dele, porque já eram quase 07h00 e restava pouco tempo para esta tarefa. Deram-me o chip e tentei justificar ao responsável que se encontrava no local, mas fui impedido... Também não me ouviu e ainda deu alguns recados. Fui colocar o chip e o material nos locais próprios, ainda com uma enorme calma aparente, porque estava capaz de explodir e cada vez mais apreensivo perante tudo o que se tinha passado e continuava a passar! Depois fui ter com a menina que me deu o chip, sem qualquer ressentimento, e perguntei-lhe se afinal estava em prova ou desclassificado... Ela disse-me apenas que de momento não estava desclassificado.
Entretanto chegou o Quaresma e disse-lhe o que se tinha passado. Ficámos os dois mais calmos e apenas focados na prova e no tempo que apesar das claras melhorias ainda estava inseguro. O céu apresentava-se bastante nublado, temperatura amena, sem vento e o mar calmo. Parecia inacreditável face ao dia anterior, nada fazia antever tal mudança, mas as previsões estavam certas... melhoria significativa das condições MT, vento fraco e ausência de chuva.
A prova estava prestes a iniciar-se e o meu coração cada vez batia mais rápido (como é possível depois de tantos anos de competição?). Sabia que estava bem, tinha treinado menos tempo que há 2 anos, mas mais corrida e de forma mais eficaz. Estava confiante e não sentia qualquer mazela, portanto algo de bom podia acontecer... Pedi ao Afonso e ao Américo para controlarem os atletas do meu escalão, que eram os que tinham os dorsais entre os números 488 e 519, e para me irem informando.
Posiciono-me bem para a partida (nos lugares da frente!). É dado o tiro de partida e pronto, entro noutra vida! Não ouço mais nada, não vejo mais nada, só me interessa a prova e a chegada à meta... Durante a natação, ainda me apercebi de alguma ondulação que dificultava a progressão, mas rapidamente acabou este segmento (rápido face ao todo da prova). A natação teve pouca história.
Quando chego a terra e me levanto, vejo de imediato o tempo e verifico 01h16, pensei: Podia ser melhor, pois é igual a 2010, mas serve... Não compromete e é motivador! Pensei ainda no Quaresma que já devia estar há mais de 15 minutos na bicicleta! Mas... Vamos embora que se faz tarde!
Faço uma transição rápida e entro para a bicicleta "fortíssimo". Coloco-me em cima dos extensores, logo após a saída da zona sinuosa e de lombas, que faz parte do início e do fim do percurso de ciclismo, e toca a pedalar... 38/40... era um espetáculo... Vejo o 1.º abastecimento e deito logo o meu bidon fora. Já tinha bebido parte da proteína que levei comigo, para pegar num outro bidon... Azar! não consigo agarrar o bidon e fico quase sem líquidos. Por outro lado, a organização este ano resolveu só fornecer géis (ou não arranjou barras energéticas?). Para complicar mais a situação, só levava 1 barrita das fracas (do hiper!). Pensei logo: Estou tramado! Tenho que me alimentar a gel nas próximas 10/11 horas! Lá continuo a pedalar forte, porque me sentia bem e não queria pensar muito nos problemas, mas sem queimar os músculos!
Um pouco antes do 1.º retorno avisto o Quaresma. Trocámos olhares e cumprimentos e mais motivado fiquei! Pensei logo: Bem! Daqui por uns quilómetros tenho companhia! Mas... ou ele nadou mal ou eu estou a andar muito... O melhor é resfriar os ânimos e acalmar! O pensamento não pára nestas situações! E o tempo vai passando... Mais um bocado e ainda um pouco antes do final da 1.ª volta encosto ao Quaresma. Já estava nas nuvens! Sentia-me bem, já tinha recuperado a diferença da natação, portanto só havia que continuar, porque estava tudo a correr pelo melhor! Falámos se estava tudo bem... "Sim, sim.", respondemos um ao outro e lá continuámos a nossa tarefa... Claro, que cada um tinha a sua!
Entrámos na zona de subidas e descidas e qual surpresa minha! Após ser ultrapassado por um outro atleta numa dessas subidas, porque não "parei logo", ia a uns 6/7 metros quando uma juíza me mostra a "tarjeta amarilla". Fiquei de rastos... Perguntei: "É para mim? Porquê? Isso é injusto!". Mas de nada valeu. Perguntei então: "O que é que implica?". Ela respondeu: "Tem de ir à Penalty Box durante 8 minutos". "8 minutos?", perguntei. Claro, estava farto de saber... Ou ia ao "castigo" ou seria desclassificado. Naquele momento apeteceu-me ficar logo por ali. Abrandei, respirei fundo e lá continuei, sem ritmo e sem motivação... Entretanto passa o Quaresma por mim e pergunta: "Fernando, estás bem?", "Está tudo bem?". Ao que eu respondo: "É pá, não... já me chatearam a cabeça.". Lá continuei, porque não estava só por minha conta, mas já sem grande vontade. Onde tinha passado na 1.ª volta a 38/40 km/h, passava agora a 30/32. Deixava passar toda a gente e só pensava: Os gajos querem-nos desclassificar e não nos disseram à entrada. Não posso dar motivos para isso. Estou a representar o Banco!
Lá dei a volta e quando cheguei à "caixa" lá parei os 8 minutos. Tentei aproveitar para as "necessidades fisiológicas líquidas" mas não me deixaram - "Penalty é penalty!", diziam-me. Entretanto passaram os 8 minutos, lá saí e fiz as minhas necessidades... Faltavam ainda uns 40 quilómetros para acabar e então animei de novo e até ao final do segmento de ciclismo andei bem.
Novamente uma boa transição. Mudei de equipamento (calção e camisola de atletismo) porque o fato "não presta para este tipo de provas". Saio para a corrida e sinto-me como se nada tivesse feito... Soltinho, passada curta e rápida... Estava como peixe dentro de água!
Vem um jovem com um ritmo idêntico ao meu e junto-me a ele! Metemos conversa. Ele perguntou-me de onde eu era... Quando lhe disse que era português, respondeu-me de imediato: "Yo soi Galego!". "Mui bien... asi nosotros nos entendimos", disse-lhe eu. Porque apesar do galego ter estado proibido durante 5 séculos e o português ter seguido o seu caminho, ainda mantêm muitos pontos de contacto. Perfeito... estamos em casa! Lá vamos a um ritmo bastante vivo, para uma maratona de ironman. Verifico que tem um GPS da Garmin e pergunto-lhe a quanto vamos ao quilómetro. "4,13", diz-me. Fiquei espantado, pois pensava que íamos perto dos 5m/k. Disse-lhe: "Eu vou mais devagar porque ainda falta muito e depois não aguento.". Só que ele não se afastava! Ia com uma respiração sofrida, passada larga, mas parecia-me que estava a quebrar... Andei um bocado atrás dele e depois coloquei-me ao seu lado e disse-lhe: "Olha! Vou contigo porque com companhia é mais fácil (como se estivesse sozinho naquele mar de gente...).
O primeiro retorno aproximou-se rapidamente. Um bocado antes do retorno, controlo o dorsal 419 e um outro também do meu escalão, que foi o que acabaria por ficar em 4.º lugar. Cruzei-me ainda com o Pedro Quaresma, que pelos meus cálculos partira uns 10 minutos antes, e se assim foi, estava a perder terreno. Trocámos algumas palavras e continuámos a nossa tarefa. Ainda tínhamos muito que palmilhar... Até ao retorno não vi mais ninguém do meu escalão e pensei. Bem! Isto não está muito mau, devo estar em 3.º e com este andamento acabo com menos de 11 horas! É muito tempo em prova, o que dá para pensamos em tudo!
O amigo galego continuava em esforço (aparente!), e parecia-me que o ritmo dele já não ía certo... Tanto se afastava de mim como ficava para trás. Resolvi impor a minha passada e só pensava em 5 minutos ao quilómetro. Era a passada que pretendia imprimir... Aproxima-se o final da primeira volta e passo pelo Quaresma que me incentiva... "Vai que estás no teu terreno!". Concluí a primeira volta com cerca de 45 minutos. Ia bem, mas começava a ficar preocupado porque ainda faltavam 3 e sabia o quanto havia sofrido em 2010 só nos últimos 5 quilómetros. Passo pelo meu filho que me diz: "Vai Pai!! Grande prova!!!". Pelo Américo, que não se contém e grita a soluçar: "Força Feijão!! Força Feij...!!!". Parece que é nestes momentos que a nossa alma já um pouco moribunda renasce... E lá vou eu para a 2.ª volta.
Sempre que me cruzava com os "velhos" tentava ver o número do dorsal e se os mesmos eram do meu escalão. Mas cada vez se tornava mais difícil porque não sabia se iam na mesma volta. Apenas tinha aqueles 2 referenciados. Novamente me cruzei com eles, mas não era muito evidente a minha recuperação. Também ainda era cedo e o homem da marreta costuma aparecer mais tarde e se calhar até bate é à minha porta!!! Terceira volta e o cansaço começa a chegar, mas o ritmo ainda é bom, contudo, tento sempre reduzir o andamento porque parece-me sempre que ainda falta muito. Penso no entanto que da próxima vez que passar por aqueles locais, já vou para a meta. Também a terceira volta é feita sem sobressaltos, apenas os pés estavam muito doridos e sentia que se estavam a formar bolhas. Última volta! Eu tinha dito ao Américo para segurar o homem da marreta, se por acaso o visse! E deve ter sido o que fez... Porque continuava a sentir-me bem, rolar certinho. Por vezes colocava-me atrás de indivíduos que me parecia que iam mais devagar, para acalmar o ritmo e o tempo ia passando e os quilómetros também. Logo nos 1.ºs quilómetros da última volta, reparo num veterano que me parecia do meu escalão, olhei descaradamente para o seu dorsal (a dizer... estou aqui!!!), e era mesmo o indivíduo que estava à minha frente e me respondeu: "A mirar el dorsal!!! Estoi finito!!!". Eu ri-me e lá continuei sem mais olhar para trás, mas sempre a pensar: Se eu empeno o tipo passa por mim!!! O outro, o suíço que ganhou em 2011, nunca mais o consegui ver e o que ganhou a prova não o controlei durante toda a prova. Só pensava que já estava no papo. Os quilómetros passavam depressa, baixar as 11h00 já era uma certeza, mesmo que ainda viesse a empenar. O Quaresma também estava bem, porque nos havíamos cruzado e ele disse-me: Vai lá que eu já vou ter contigo.
Em resumo: pensava que era mais uma jornada perfeita! Apenas havia uma contrariedade que tentava esquecer... A vontade de vomitar, de tanto gel e água ter ingerido. A falta de alimentos sólidos e o esforço dificultaram-me um pouco a tarefa, mas posso dizer que acabei em grande e os adversários que me ganharam estiveram melhor do que eu e merecem os parabéns... São tal como eu vencedores do Ironman de Barcelona... Ou seja: O pódio foi constituído pelos 3 vencedores das últimas 3 edições da prova.
Fernando Feijão
Quando há dois anos realizei o meu primeiro "Ironman", tinha como principal objetivo terminar a prova. Atingido esse objetivo e apesar da enorme satisfação por ter superado um desafio e realizado um "sonho", senti que podia e queria fazer melhor. Era preciso encontrar uma nova oportunidade para repetir e tentar melhorar.
No início deste ano, a ideia começou a ganhar forma e depois de realizar o half ironman de Lisboa, em maio, percebi que estava em condições físicas e com motivação para preparar de novo o "Ironman".
Os companheiros de 2010 (Lomba e Feijão) estavam também motivados e decidimos avançar para mais este desafio. Um dos desafios principais que se nos coloca é conseguir treinar diariamente durante dois dos meses mais quentes do ano (agosto e setembro), na maioria dos dias fazendo dois treinos/dia e isto partindo do princípio que a base da preparação já existe, porque vamos treinando ao longo do ano. De qualquer forma, nestes dois meses que antecedem a prova, é necessário treinar com regularidade e tentar realizar os treinos longos previstos no plano de treinos, para preparar o organismo para o dia da prova em que vamos estar em competição nunca menos de 10 horas e se tudo correr como planeámos. Para além disso, os treinos longos também permitem ensaiar os equipamentos que vamos usar, desde o calçado, ao vestuário e, em especial, a bicicleta que vai ser o "meio de transporte" utilizado durante mais tempo. Desta vez tinha a motivação adicional de ir estrear uma "máquina" nova e com um perfil adaptado às provas longas de triatlo. Mas por outro lado, preocupava-me o facto de ser capaz de me habituar em tempo útil à bicicleta nova e efetivamente vir a tirar partido das qualidades de uma bicicleta de triatlo, devido ao facto de "obrigar a pedalarmos numa posição "fechada", tipo contrarrelógio.
Ao longo de agosto, os treinos foram decorrendo conforme previsto e a forma ia surgindo naturalmente. Pelo meio, conseguimos treinar com outros amigos, que apesar de não estarem envolvidos diretamente no projeto acabam por ser um apoio precioso para tantas horas de treino. Quando entrámos em setembro, temos uma baixa inesperada - o Lomba lesiona-se com gravidade e a participação dele fica logo irremediavelmente comprometida. Apesar do "Ironman" ser uma prova individual, o fato de prepararmos em conjunto a prova ajuda a manter bons níveis de motivação e nos momentos em que o cansaço dos treinos se manifesta, é mais fácil recuperar porque sabemos que algures estão outros amigos a treinar e a prepararem a prova. Este compromisso que se estabelece naturalmente e sem necessidade de contratos escritos num grupo de pessoas que partilham um objetivo, é um suporte moral muito forte. Por isso, quando algo corre mal com alguém do grupo, acaba por afetar o grupo. Mas é preciso continuar a preparação, agora mais do que nunca, não podemos deixar ficar mal quem já não nos pode acompanhar. E foi com esse novo "compromisso" que fiz a parte final da preparação da prova.
Quando a data da prova se aproxima, surgem novas "questões", nomeadamente a preocupação com o tempo que vai fazer no dia da prova, tendo em conta que vamos nadar 3800 metros no mar, que depois temos 180 km de bicicleta numa estrada à beira-mar e deixando de lado os 42 km finais da corrida. Logo que conseguimos ver as primeiras previsões para a data da prova ficámos animados. Nem chuva, nem calor, vento fraco e boas condições no mar.
Viajámos para Espanha dois dias antes da prova, viagem efetuada debaixo de chuva. Chegados ao destino, o cenário piorava. Além da chuva, o vento era fortíssimo. Na Andaluzia e em Valência, as chuvas torrenciais já tinham feito vítimas mortais. Na véspera da prova, a organização teve de improvisar a entrega do material para a prova (dorsais e chips) em locais diferentes dos previstos e nós permanecemos no hotel à espera que o temporal passasse. De 5 em 5 minutos consultávamos os sites de meteorologia e todos apontavam para que no dia seguinte não iria chover, não ia estar vento e a temperatura estaria por volta dos 20ºc. Custava a acreditar com o cenário que tínhamos à nossa frente e na verdade estávamos bastante preocupados com estas condições atmosféricas. Aspeto positivo deste dia, foi o facto de termos sido "obrigados" a descansar enquanto esperávamos que chegasse a hora da prova.
No dia da prova, alvorada às 5 da manhã para os preparativos, nomeadamente o pequeno-almoço reforçado que temos de tomar com a devida antecedência. E para nosso espanto e grande alívio, não chovia nem corria uma aragem. Os deuses estavam do nosso lado!
Início da prova às 08h30, com a partida para a natação dos atletas profissionais. As partidas seguintes, agrupadas por escalões, iriam decorrer de dois em dois minutos. Cada grupo que largava podia ter mais de 200 atletas, que foi o que aconteceu com o grupo onde eu e o Feijão partimos, onde se juntavam os atletas dos escalões "mais experientes" (vulgo mais velhos). O grupo era bastante grande, o que nos ajudou bastante porque nadámos sempre com outros atletas por perto o que acaba por facilitar a "orientação" dentro da água. É preciso lembrar que vamos realizar um percurso de ida e volta, tipo retângulo, paralelamente à praia e em que nos afastamos da partida cerca de 2 km para depois retornarmos até à meta que está colocada junto à partida. Ou seja, quando partimos para a água, não conseguimos ver onde vamos dar a volta para depois regressar. O mar estava relativamente calmo e a temperatura da água era cerca de 24ºc. Este segmento é encarado com calma pois ainda falta muita prova, mas ainda assim consigo alcançar muitos nadadores que tinham partido nos grupos anteriores, o que dá sempre um ânimo acrescido. De qualquer forma, na parte final do percurso, ainda sou apanhado por alguns nadadores mais rápidos do grupo que saiu depois.
Efetuado o segmento da natação em cerca de 01h06 (19.º do escalão), troca de roupa para ir pedalar 180 km. Quando troco de roupa, percebo que chegaram poucos "adversários" do meu escalão. Ânimo reforçado e arranco para a bike. O segmento de bicicleta é realizado sempre à beira-mar numa estrada em tudo idêntica a marginal Lisboa-Cascais, estando o trânsito cortado numa extensão de cerca 35 km. O percurso são cerca de 2,5 voltas neste trajeto, praticamente plano em toda a extensão. Quase no final da primeira volta, cerca de 70 km, sou apanhado pelo Feijão que tinha demorado um pouco mais na natação, mas que estava agora mais à vontade em cima da bicicleta. Ele segue o ritmo dele e eu o meu, cada um tem de fazer a sua prova. Os entusiasmos pagam-se caro lá mais para a frente... De qualquer forma estava satisfeito, pois percebia que estava a pedalar bem e a fazer uma prova muito melhor do que na participação anterior. Quando chego ao fim deste segmento, 05h25 depois de ter começado (69.º do escalão), estava muito motivado pois tinha conseguido baixar claramente das 6 horas que tinha como referência.
Nova troca de roupa antes de iniciar o último segmento: a maratona! Há quem diga que a prova a sério começa aqui... Na verdade, quando chego aqui sinto que estou em "casa" e apesar das dificuldades por que passo nas 4 horas seguintes, os meus níveis de confiança são cada vez mais altos. Agora já só depende de mim, aqui não há furos nem avarias mecânicas. Somos nós e o nosso corpo. Mais do que nunca é preciso garantir que nos alimentamos e hidratamos ao longo dos 42 km. Qualquer distração pode comprometer o final da prova e no entretanto temos de gerir o cansaço acumulado e tentar não deixar cair demasiado o ritmo. Pelo meio, vamos animando outros companheiros que estão em prova, pois além de mim e do Feijão estavam mais sete portugueses em prova. O apoio que também recebemos de outros atletas em prova, do público e dos nossos amigos que nos acompanharam neste desafio (Américo, Afonso e Palmira – muito obrigado!) também faz parte do segredo do sucesso!
Ao terminar a corrida em 03h59 (40.º do escalão) e 10h37 depois de ter iniciado a prova, terminava pela 2.ª vez um “Ironman” e ficava em 40.º do meu escalão, tendo melhorado 45 minutos face à primeira participação. Estes pequenos grandes momentos que acontecem ao passar a meta deixam uma sensação de felicidade e de "dever cumprido" muito fortes. Apenas ultrapassados pela vontade que surge quase de seguida de fazer mais e melhor... De facto, a natureza humana e o espírito do desporto no geral, e do triatlo em particular, é de querer fazer sempre melhor e eu não sou exceção. Se no final do dia da prova é o dia do entusiasmo da euforia, por ter concluído, por ter melhorado... minutos na prova, no dia seguinte já estamos a gizar novos planos, revemos aspetos na alimentação em prova, na logística em prova, nos treinos para a competição e uma certeza dentro de mim dizia-me, tal como num filme muito conhecido: "I`ll be back".
Se somos nós que fazemos a prova, na verdade não seríamos capazes de a fazer se estivéssemos sozinhos neste desafio. Por isso é fundamental agradecer aos “suspeitos do costume:
. aos amigos e colegas que nos acompanham ao longo das semanas de preparação;
. à família que se "adapta" aos horários e algumas ausências prolongadas para treinar;
. ao Clube Millennium bcp, que com o seu apoio nos permitiu realizar o sonho;
. ao amigo Feijão com quem tive o prazer de realizar mais uma vez este desafio e que mais uma vez me apoiou com a sua experiência e conhecimentos neste projeto;
. e por último, e sendo o primeiro, a quem dedico o meu "Ironman", o meu amigo Lomba. Ele que é o mais "Ironman" de todos os que conheço e que no fundo me desafiou para fazer a prova.
Pedro Quaresma